Comedores compulsivos, ou viciados em comida, sentem a necessidade de ingerir alimentos com maior frequência e em maior quantidade. Frequentemente, os alimentos ingeridos tem alto teor calórico, como refrigerantes, frituras, doces e massas. Neste grupo, a ingestão de alimentos pode não ser dependente da pessoa estar com fome. Em muitos casos o consumo compulsivo está associado a mecanismos de resposta a situações estressantes ou a susceptibilidade genética. Pessoas viciadas em comida mantém esse comportamento apesar do impacto negativo em sua saúde. O consumo desregrado de alimentos calóricos pode causar obesidade, diabetes tipo 2, diversos problemas cardiovasculares, redução da fertilidade e alguns tipos de câncer.  

Esse tema tem chamado atenção devido ao crescente número de pessoas obesas em países ocidentais. No Brasil taxa de obesidade é de 19,8% em 2018 e de sobrepeso é de 55,7% de acordo com a Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel, 2018).

Estudos em humanos e em modelos animais demonstram que os mecanismos centrais responsáveis pelas sensações de recompensa e prazer ativados pelas drogas de uso recreativo, como a cocaína e a heroína, também são ativados por comidas, especialmente por aquelas de alto valor calórico de paladar apelativo (Lindgren et al., 2018). Na compulsão alimentar a sensação de prazer desencadeada pelo ato de comer se sobrepõe aos sinais de saciedade de alguém que já se alimentou. 

Quando somos expostos a um alimento calórico gostoso a dopamina produzida por neurônios da área tegmental ventral do mesencéfalo é transportada por seus axônios até o núcleo accumbens, onde é liberada. O núcleo accumbens é responsável pela memória das emoções ligadas ao uso e pela motivação para repetição do consumo de alimentos calóricos, drogas e também outros eventos prazerosos como sexo, sombra e água fresca. A ativação núcleo accumbens ocorre prioritariamente quando o estímulo ainda é uma novidade. A repetida exposição ao estímulo resulta no aumento exagerado e prolongado da liberação de dopamina no núcleo accumbens, o que causa a perda de sua sensibilidade a dopamina. Esta adaptação faz com que o indivíduo busque repetir ainda mais o estímulo (aumentando a frequência de refeições e a quantidade ingerida). Após a dessensibilização do núcleo accumbens, o estriado dorsal passa a ser ativado pela dopamina produzida pela área tegmental ventral. A ativação do estriado dorsal pela dopamina e iniciada apenas pela percepção de que existe comida disponível. Desta forma, estriado dorsal estimula a vontade e motiva a busca por alimentos. O somatório da dessensibilização do núcleo accumbens com a supra-estimulação do estriado dorsal resulta no aumento do desejo pela comida e na busca por comida e reduzidas sensações de recompensa e prazer em resposta a ingestão da comida.  

Com a redução da quantidade de receptores de dopamina a compulsão deixa de ser movida pelas sensações de prazer e recompensa para se motivada pela necessidade de se evitar os sintomas de abstinência. A dopamina é tão importante no processo de alimentação que camundongos modificados geneticamente para não produzirem dopamina não buscam alimentos e morrem por desnutrição. 

Diagnóstico e reeducação alimentar

O diagnóstico de compulsão alimentar deve ser feito por um profissional capacitado que saberá associar as características clínicas e comportamentais do paciente ao diagnóstico correto. Uma ferramenta útil para o diagnóstico de compulsão alimentar é o questionário elaborado na Universidade de Yale em 2009 pela pesquisadora Ashley Gearhardt, o Yale Food Addiction Scale (YFAS). Este questionário possui sete pontos em comum ao questionário utilizado para o diagnóstico de dependência química. Neste questionário o entrevistado responderá o quanto concorda com afirmações a respeito de seus hábitos alimentares. O entrevistado deve basear suas respostas em seus hábitos alimentares nos últimos 12 meses. Um quadro de compulsão alimentar está fortemente associado a respostas positivas a pelo menos três sintomas descritos na lista abaixo:

  1. Consumo elevado de alimentos e por períodos maiores do que o planejado.
  2. Contínuo desejo de comer mais.
  3. Grande esforço para obter mais comida.
  4. Desistência ou diminuição na participação em atividades sociais, ocupacionais e recreativas.
  5. Continua a consumir certos alimentos mesmo sabendo que estes não são saudáveis.
  6. Tolerância (aumento da quantidade ingerida e redução da saciedade).  
  7. Quando não está com fome sente-se mal (manifestações físicas ou psicológicas) quando não pode comer uma porção adicional de comida. 

A principal recomendação para se tratar um vício é a abstinência total do agente viciante, como alcool, cocaína e heroína. Entretanto, será impossível se abster totalmente de se alimentar. Essa característica torna o tratamento da compulsão alimentar muito difícil. Além da total dedicação do paciente a contribuição de uma equipe multidisciplinar, composta por nutricionista, psicólogo e médico endocrinologista são fundamentais para adesão à reeducação alimentar.